DICAS FINAIS SOBRE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

por | 26 / abr / 2021 | Civil, Família e Sucessões

TESTAMENTO – PARTE IV (FINAL)

Complementando o estudo das semanas anteriores, no qual foi possível verificar as regras de constituição de uma holding familiar e sua gestão, nessa semana, retrataremos sobre outro instrumento de grande importância para o planejamento sucessório: o testamento.

Alertamos que, via de regra, a constituição de uma holding familiar não substitui o testamento e vice-versa, para um planejamento sucessório adequado.

Assim, eis algumas sugestões para elaboração de um testamento, que também tem como propósito organizar e estruturar a sucessão patrimonial do testador e, via de consequência, da família.

Inicialmente, temos o art. 1.857, parágrafo 1º, do Código Civil, que prevê que o testamento poderá dispor a forma como o patrimônio do testador será distribuído e reservado (até mesmo da parte legitima, que é indisponível), tendo por escopo promover a harmonia futura entre os herdeiros e a continuidade dos negócios no seio familiar.

No testamento é possível declarar questões patrimoniais, existenciais e pessoais (art. 1.857, § 2.º, CC), tais como: se o casal viveu em união estável; reconhecer filho afetivo fora do casamento; destinar legados à terceiros por consideração; nomear inventariante e testamenteiro (embora não seja obrigatório nomear); tipo de funeral; lista de bens pessoais de valor afetivo e a sua destinação e distribuição com  critério de partilha de bens pessoais residuais pré-fixados por meio de sorteio com coordenação do testamenteiro, por exemplo.

O art. 1.987, do CC, estabelece a remuneração do testamenteiro (executor do testamento) de 1% a 5% da herança, e tal dispositivo legal pode ser usado como parâmetro para remuneração também do inventariante pré-definido em testamento.

É possível ainda estabelecer no testamento a antecipação do uso e gozo de um bem para determinado herdeiro, que assumirá os encargos e responsabilidades deste bem, a fim de administrá-lo, desde a data da abertura da sucessão (falecimento), na forma do art. 647, parágrafo único, do CPC.

Destaque-se que a doação em vida de patrimônio não pode superar a legítima, e deve constar em escritura pública junto a um balanço do patrimônio líquido elaborado por advogado em conjunto com contador. Se na data da abertura da sucessão não existir mais patrimônio ou se essa doação anterior superar a legítima (no momento do falecimento), ainda assim a doação poderá ser considerada como válida e eficaz.

Os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e companheiro) só podem ser excluídos da herança por indignidade ou deserdação (o abandono afetivo não está incluído nessas hipóteses).

A revogação do testamento pode ser feita a qualquer momento e unilateralmente. Poderá um bem do patrimônio testado ser alienado, doado e transmitido para terceiros, pelo testador em vida, sem prejuízo das demais disposições e cláusulas constantes no testamento.

São exemplos de cláusulas mais comuns em testamentos:

  1. a) Cláusula de substituição testamentária – exemplo: o testador deixa um bem para um terceiro por consideração ou reconhecimento, mas fica definido que, se o donatário falecer, o bem doado será transmitido para uma outra pessoa já definida pelo doador, sob pena do bem testado retornar à legítima. Tal cláusula funciona também para substituição de testamenteiro, curador, tutor e inventariante;
  2. b) Cláusula de revogação – abre a possibilidade de revogação de qualquer disposição contrária ou manifestação de vontade que conflite com os termos do testamento e com a vontade do testador;
  3. c) Cláusula condicional suspensiva – exemplo: testador deixa imóvel para determinada pessoa na condição desta última casar-se (importante, neste caso, que se preveja um prazo para ocorrência deste casamento, após a morte do testador). Esta cláusula funciona para evento futuro e incerto (suspende quando o testador morre), não bastando apenas o falecimento do testador, para que o sucessor testamentário receba o bem, pois a condição imposta pelo testador deve ser cumprida;
  4. d) Cláusula condicional resolutiva – exemplo: o testador deixa imóvel para que determinada pessoa economize o dinheiro dos frutos deste mesmo imóvel, geralmente aluguéis, para que o favorecido pelo testamento se case num prazo pré-estabelecido pelo testador. Neste caso, o sucessor testamentário recebe o bem desde o óbito do testador (data da abertura da sucessão), mas perderá o bem testado se não cumprir com a condição no prazo estipulado pelo testador;
  5. e) Cláusula condicional modal (causal) ou com encargo – exemplo: o testador deixou imóvel para determinada pessoa, mas impondo um encargo ou contraprestação, para que esta preste alimentos em favor de outra pessoa. Neste caso o sucessor testamentário recebe o referido imóvel, desde a data do óbito do testador, e deve pagar os alimentos ao terceiro indicado pelo testador. Em caso de descumprimento deste encargo imposto, o sucessor testamentário perderá o bem que retornará automaticamente para legítima;
  6. f) Cláusula sub causa ou certa causa – exemplo: o testador deixa o bem em virtude de certa causa, ou seja, deixou o imóvel para determinada pessoa, porque este salvou-lhe a vida ou emprestou dinheiro no passado. Neste caso, o testador deixa o bem em razão da causa e não da pessoa, a obrigação aqui não é personalíssima;
  7. g) Sucessão na posse (art. 1206 e 1207, CC) – é importante defini-la em testamento para evitar a usucapião (extraordinária, art. 1.238, CC, de 15 ou 10 anos) de um dos herdeiros, possuidor direto da área, ou em favor de quem utiliza esta posse com mais assiduidade;
  8. h) Cláusula de condomínio pro indiviso – todas as partes utilizam e compartilham a posse de fato da área e a propriedade consta registrada em cartório de imóveis em nome de todos os condôminos. Neste caso, a prova da posse exclusiva de um dos herdeiros é mais complicada, pois existe aqui um consenso presumido de que todos podem usar indistintamente o bem;
  9. i) Cláusula de condomínio pro diviso – por esta cláusula todos os condôminos exercem a posse fracionada ou dividida do bem, com a divisão da área do imóvel (propriedade) de fato, e utilizam a posse cada um na sua parte, com compartilhamento de despesas, apesar da propriedade em condomínio. Neste caso, considerando-se que os bens partilháveis constituirão um condomínio em favor dos herdeiros, poder-se-ia estabelecer que este condomínio é pro indiviso. Ou seja: todos os condôminos podem exercer direitos sobre a coisa comum, evitando-se a posse exclusiva de qualquer deles sobre o bem. O ideal seria definir em testamento quem será o inventariante e administrador de uma fazenda, por exemplo, e instituir o condomínio pro indiviso com posse comum compartilhada da área da referida fazenda, para que todos os herdeiros possam usar a posse de fato com igualdade e participar da administração da atividade econômica;
  10. j) Cláusulas de diretivas antecipadas ou testamento vidual – servem para proteção do testador quando ele não tiver mais autonomia de vontade que o impeça de tomar decisões sobre sua própria vida e acerca da gestão de seu patrimônio. Nessa cláusula, o testador já deixará definido quem fará essa gestão e detalhamentos sobre administração das obrigações e deveres pessoais do seu dia a dia, mas não para autorizar alienação de bens e/ou aquisição e/ou desfazimento de patrimônio. Nesta hipótese de testamento vidual com cláusulas de diretivas antecipadas, deve-se elaborar instrumento que tutele a pessoa em situações em que a autonomia da vontade estiver comprometida, geralmente demandando a outorga de mandato procuratório permanente à pessoa encarregada da prática de atos para gestão da vida pessoal do testador impossibilitado da prática de atos simples da vida cotidiana (pagamento de contas e despesas mensais, gestão do lar e etc.);
  11. k) instituição de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade sobre a parte legítima da herança, desde que haja justa causa (artigo 1.848 do CC), por exemplo: único bem destinado a moradia e/ou ao sustento da família;

Enfim, em vista dessas dicas para elaboração de testamento, destaque-se por fim que o principal para definirmos o conteúdo exato de um testamento, é imprescindível a realização de entrevistas pessoais e reservadas entre advogado e o candidato a testador.

Essas “entrevistas”, por assim dizer, são fundamentais para que seja possível colher exatamente as manifestações de vontades do testador, em relação as questões patrimoniais, existenciais e pessoais, incluindo uma listagem de bens pessoais do testador, em proveito de uma justa divisão destes em favor de pessoas da própria família ou de terceiros, sempre respeitando a legítima e a vontade do testador, para que o testamento surta seus efeitos válidos pós-morte.

Advogado especialista em direito civil e trabalhista. Graduado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2000. Pós-graduado e especialista em Direito Processual Civil e em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP (2009 e 2014). Conselheiro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo. Coordenador do contencioso estratégico e consultivo do escritório Piza Advogados Associados. Experiência e atuação efetiva nas seguintes áreas: direito do trabalho (empregado e empregador); sindical; direitos coletivos; ações civis públicas; litigiosa (família, sucessões, consumidor, civil, empresarial, imobiliário, trabalhista, bancário e queixas crime); procedimentos administrativos em geral; negociações coletivas, elaboração de contratos em geral; dissolução judicial de sociedades empresárias; Inquérito Policial e Inquérito Civil; consultoria, aconselhamento e orientações jurídicas à sindicatos, empresas, demais pessoas jurídicas e pessoa física, inclusive; procedimentos investigatórios perante o Ministério Público do Trabalho. Links

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